17 de dezembro
1865 – Forças brasileiras acampam em Coxim
As tropas brasileiras que combaterão
os paraguaios na fronteira, após vários meses no trajeto
entre São Paulo e Mato Grosso, acampam “no lugar denominado
Beliago, ou mais vulgarmente Coxim, incorporando-se a elas o contingente
de tropas da província de Goiás, o qual aí se achava
desde o dia 7 de setembro daquele ano e era composto de um esquadrão
de cavalaria e de um batalhão de linha n. 20, completado com
duas companhias de praças voluntárias”.
O tenente Taunay, da comissão de engenharia da força,
descreve o novo acampamento da expedição brasileira:
O local, indicado por vários entendidos como o mais próprio
para cobrir a capital da província de Mato Grosso e ao mesmo
tempo defender as estradas que dessem pronta comunicação
com as outras províncias limítrofes, assenta, como dissemos,
na confluência dos dois rios Taquari e Coxim, os quais unem as
suas águas depois de curso bastante longo, vindo o primeiro da
direção média E. e o outro de S.E., e formando
no ponto de reunião uma corredeira importante, a última
que encontravam os navegantes desses caudais, ao demandarem o rio Paraguai
e a cidade de Cuiabá. Este local devia para o futuro tomar certo
incremento e já se ia constituindo em núcleo de população,
quando os paraguaios prolongaram até aí a sua devastadora
incursão. Era ponto de muitos gêneros de Goiás,
tendo sido, desde o século passado, necessidade de se formar
aí um estabelecimento, quando em uso a navegação
interna pelos rios Paraná e Pardo de um lado, e Camapuã
e Coxim do outro, para lá do varadouro que levava do vale do
Paraná ao do Paraguai. Até a barra dos dois rios, chegam
canoas grandes com extrema facilidade, sendo possível a vinda
de vapores a 2 ½ léguas abaixo dela, como já se
deu.
Existia em 1862 o projeto de criação de uma colônia
militar à margem direita do Taquari e o presidente de então,
o sr. Herculano Ferreira Pena, tornou salientes em seu relatório
à assembléia provincial as vantagens que para o profuso
abastecimento dos pontos situados à margem do grande Paraguai,
e mesmo para o da capital se originariam com a formação
de um centro povoado que, atraindo a exportação ao Coxim,
a estendesse com pouco custo até Corumbá, Dourados, etc.
Tendo havido o projeto de se construir uma obra de fortificação
passageira para a guarnição que aí ficou com quatro
bocas de fogo, por ocasião da descida das forças para
Miranda, não achou o engenheiro, 1º tenente Joaquim José
Pinto Chichorro da Gama, em todos os terrenos próximos, um local
conveniente para esse fim. A planta, porém, e o traçado
foram entregues ao coronel comandante das forças.
Debaixo do ponto de vista militar, como já mostramos, não
preenche a posição nenhuma das condições
precisas. Considerado, porém, pelo lado pitoresco e comercial,
o Coxim, cercado de outeiros baixos, banhado por um belo rio, navegável
e de águas claras, rodeado de frondente vegetação,
em situação favorável à saúde, como
demonstrou exuberantemente a estatística do hospital ambulante
da força é localidade aprazível e uma das mais
apropriadas para um centro de população.
O Taquari, depois de receber o contingente do Coxim rola uma massa considerável
de água, apresentando, entre margens altas e abruptas, a largura
média de 176 metros. Pelo lado esquerdo segue-o uma fita larga
de bonita mataria e, dali a 40 léguas, sempre com um curso regular
e livre de obstáculos, vai atirar-se no rio Paraguai, abaixo
de Corumbá, que fica à margem direita daquele caudal.
Os recursos de que dispunha o lugar eram diminutíssimos: apenas
duas fazendas se achavam numa periferia de 12 léguas, ambas de
minguados produtos; tendo sindo, além disso, uma delas, a de
Luiz Teodoro, devastada pelos inimigos, os quais, na invasão
de abril daquele ano, além de queimarem os mantimentos que não
podiam levar, estragaram também todas as plantações
ainda novas. Pouco ou nenhum gado existia em seus arredores e as más
pastarias favorecem o desenvolvimento da peste de cadeiras, tão
fatal aos animais muares e cavalares em todo o sul de Mato Grosso.
Uma alteração profunda no sistema atual de viver não
há contudo sofrer demora: a passagem para a vida agrícola.
A moléstia que grassa entre os cavalos produzirá esta
modificação. Não há cavalo que resista àquela
peste, depois de poucos anos de trabalho, de modo que, em certas épocas,
qualquer animal atinge preços despropositados. Em alguns anos
a dificuldade em obter cavalhada tem impossibilitado o costêo,
sem o qual o gado se torna arisco e bravio, como o que avistamos na
base da serra de Maracaju. (...)
Nessas condições e já começando a sentir
a penúria da falta de víveres, como acima deixamos expendido,
acampou a força esperando ordem para posteriores marchas. O tempo
das águas começando em setembro, devia prolongar-se até
maio, impedindo a passagem pelos terrenos inundados que separam o Coxim
do rio Aquidauana, onde, de novo, aparecem as terras altas, e onde se
acham os primeiros postos paraguaios.
FONTE: Taunay, Em Mato
Grosso Invadido, Companhia Melhoramentos de S. Paulo, sd, página 58
IMAGEM: barracão da comissão de engenheiros no acampamento de Coxim. Desenho de Taunay.